quarta-feira, 23 de julho de 2014

Salvador Nogueira fala sobre os acordos internacionais entre Brasil, EUA, ESA e Ucrânia na área de astronomia e astronáutica.
Vivemos no país do Plunct-Plact-Zum POR SALVADOR NOGUEIRA 23/07/14 06:07 plunct-plact-zum Em 28 de dezembro de 2010, o então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Sergio Rezende, assinou, em nome do governo brasileiro, o acordo para que o país fizesse parte do ESO (Observatório Europeu do Sul), a maior organização de pesquisa astronômica do mundo. De imediato, os europeus concederam os privilégios de membro ao Brasil, e cientistas brasileiros puderam requisitar tempo nos telescópios já construídos nas mesmas condições dos astrônomos dos outros países-membros. Para que o Brasil pudesse cumprir sua parte no acerto, contudo, era preciso que o Congresso Nacional aprovasse o acordo assinado pelo Executivo. Passou 2011. 2012. 2013. Estamos às vésperas da eleição em 2014. E o documento ainda não recebeu o selo do Legislativo para poder entrar em vigor. Os europeus contavam com esses recursos para dar continuidade a seu plano de construir um telescópio de próxima geração, o E-ELT, de 38 metros de diâmetro. O plano está se atrasando por conta da clássica inércia do Brasil, o país do Plunct-Plact-Zum: aquele que nunca vai a lugar nenhum. Durante esse período, Dilma Rousseff teve três ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação: Aloizio Mercadante (só esquentando a cadeira até ser alçado à mais prestigiosa pasta da Educação), Marco Antônio Raupp e Clelio Campolina Diniz. Nenhum deles fez força para buscar apoio no Congresso para o acordo. Os europeus esperam pacientemente, mas cada vez menos pacientemente. Já discutem internamente excluir o Brasil, que recebeu tudo a que tinha direito até agora, mas propiciou um calote camuflado, escondido sob a clássica (e conveniente) morosidade do Congresso (“sabe como é, teve o carnaval, depois veio a Copa e agora já estamos em ritmo de eleição, etc.”). A verdade é que não há interesse político em empurrar o acordo. Por quê? Porque isso não gera votos. É preciso espírito de estadista para levar adiante projetos cujo objetivo imediato não é cativar corações e mentes dos eleitores, mas meramente alavancar o potencial de uma comunidade de cientistas particularmente pequena. Muito se discutiu sobre as vantagens de o Brasil fazer parte do ESO. Há quem diga que o custo é alto demais para o tamanho da nossa comunidade astronômica e que, da forma como está posto, o país pagará sem garantia de acesso aos telescópios (os projetos de observação são julgados pelo mérito por uma comissão). Seria essa a razão dos atrasos? Falta convicção por parte do governo de uma decisão tomada na gestão anterior? A essas perguntas se sobrepõe outra: quanto vale uma assinatura do governo brasileiro num acordo internacional? Por ora, ele está assinado. Se a atual gestão julga que ele não tem mérito, que comunique ao ESO sua desistência, e vida que segue. Empurrar com a barriga e ver no que dá, apesar de ser o clássico modus operandi da política brasileira, só coloca o nome do país na berlinda em termos internacionais. Parceiro absolutamente não confiável. OUTROS CASOS DE PLUNCT-PLACT-ZUM Não é novidade. Em 1998, o Brasil assinou um acordo para fazer parte da Estação Espacial Internacional. Produziria peças para o complexo orbital em troca da certificação para se tornar fornecedor em projetos espaciais da Nasa, ter tempo de uso na estação e o treinamento de um astronauta brasileiro. Documento assinado entre dois presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton. Mas quem se importa com isso? Em 2001, o Brasil sinalizou à Nasa que o custo das peças era superior ao que se podia gastar. Até aí, tudo bem, a postura foi de transparência, buscando renegociar os termos do acordo original. A partir de 2003, contudo, mudou o governo. Saiu FHC, entrou Lula. Aí, tudo que existia antes automaticamente não prestava — a hilária “herança maldita”. Em vez de comunicar à Nasa a desistência da participação, o governo foi empurrando com a barriga. Os americanos cumpriram sua parte e treinaram o astronauta brasileiro, mesmo sem ver a cor das peças. E ficaram sem ver mesmo. Em 2006, não dava mais para a Nasa esperar. O Brasil acabou expulso da estação espacial. Quer outro caso? Em 2003, um acidente terrível mata 21 técnicos e engenheiros em Alcântara, durante a terceira tentativa de lançar o VLS-1 — o Veículo Lançador de Satélites, foguete capaz de nos dar autonomia de acesso ao espaço. Duas tentativas anteriores de lançá-lo haviam sido feitas, em 1997 e 1999. Em seguida à tragédia, o presidente Lula prometeu que uma nova tentativa seria feita até o fim de seu mandado — 2006, portanto. Passou 2006 e nada. Mas Lula foi reeleito, ganhando nova chance de cumprir o prometido. Então veio 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014… e você acredita que esse foguete sai em 2015? Quer mais um? No mesmo ano do acidente do VLS, 2003, o governo brasileiro assinou um acordo com a Ucrânia para lançar de Alcântara os foguetes Cyclone-4. Previsão de primeiro lançamento: 2006. Atualmente, está marcado para o segundo semestre de 2015. Será que sai? Note que não estou debatendo a questão do mérito de todos esses planos e acordos. O cerne, para mim, é: o governo brasileiro tem o péssimo hábito de assinar papéis com parceiros internacionais e não honrar o combinado. ENTRE MORTOS E FERIDOS O problema desses atrasos e tropeços é que perdemos janelas de oportunidade. No caso da ISS, a desistência não comunicada do governo resultou na nossa vergonhosa expulsão, e tudo que se pôde salvar foi o voo do astronauta, contratado à parte dos russos. Mas a possibilidade de se tornar fornecedor internacional da indústria aeroespacial, assim como a perspectiva de manter um programa forte de microgravidade e voos tripulados, virou pó. No caso dos lançadores, o Brasil perde mercado e acaba com projetos obsoletos diante de tantos atrasos. (O VLS-1, por exemplo, foi projetado na década de 1970.) No impasse do ESO, o Brasil poderia ficar órfão da próxima geração de telescópios, tirando a competitividade da comunidade astronômica nacional. Há três projetos independentes que trabalham hoje para desenvolver telescópios gigantes. Um deles é o do ESO, o ELT (Extremely Large Telescope). Mas há outros dois consórcios internacionais, o do GMT (Giant Magellan Telescope) e o do TMT (Thirty-Meter Telescope). Diante da letargia federal na adesão ao ESO, o governo paulista, em questão de um ano, articulou sua entrada no GMT — telescópio rival do ELT que deve começar a operar, com infraestrutura parcial, em 2021. A participação paulista, bancada pela Fapesp, será de US$ 40 milhões. A ideia da agência de fomento é dividir esse custo mais adiante com o governo federal, em troca de acesso ao telescópio para pesquisadores de fora de São Paulo. É um acordo mais modesto que o do ESO, que envolve US$ 371 milhões em onze anos e permitiu acesso imediato às instalações já existentes, além do futuro uso do ELT, que deve ficar pronto só em 2024. Com a iniciativa paulista, pelo menos sem acesso à próxima geração de telescópios os astrônomos brasileiros não ficarão. Mas é assumidamente uma conquista muito mais modesta do que as ambições que poderíamos ter com o ESO. Até quando ainda teremos de viver no país do Plunct-Plact-Zum? Acompanhe o Mensageiro Sideral no Facebook

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